STF decide que violência doméstica contra mãe pode impedir repatriação de criança

STF decide que violência doméstica contra mãe pode impedir repatriação de criança

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (27/08), que a violência doméstica contra a mãe — mesmo que a criança não seja diretamente agredida — constitui motivo justificado para impedir a repatriação de menores em disputas de guarda internacional.

A decisão, tomada no julgamento das ADIs 4245 e 7686, altera a interpretação da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, que exige a devolução imediata da criança ao país de origem, exceto em casos de risco grave à sua integridade.

Até então, o entendimento predominante exigia que a ameaça fosse direta à criança. Agora, o STF reconhece que a violência contra a mãe cria um ambiente de risco intolerável para o filho, mesmo que ele não tenha presenciado os atos.

“Um agressor nunca será um bom pai”

A posição foi defendida pela Advocacia-Geral da União (AGU), que argumentou que a exposição da mãe à violência doméstica compromete diretamente o bem-estar da criança.

“A gente entende que a violência doméstica, ainda que só contra a mãe, é um motivo para o não retorno da criança”, afirmou o advogado Rodrigo Carmona, representante da AGU.
“Um agressor nunca será um bom pai. Ele expõe a mãe e a criança a risco grave e provoca uma situação intolerável que justifica o não retorno.”

O STF acolheu o entendimento: se a violência for atual e comprovada com indícios objetivos (como boletins de ocorrência, medidas protetivas ou laudos psicológicos), o retorno da criança ao país de origem pode ser negado.

Mudança histórica e fim de interpretação “sexista”

A deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP), autora da ADI 7686, celebrou a decisão como um avanço histórico:

“Conseguimos que a violência doméstica fosse incluída na interpretação da Convenção da Haia no Brasil. E mais: que se entenda que, ao atingir a mãe, ela atinge a criança e toda a família.”

Para Luciene, a interpretação anterior era “sexista” e colocava mulheres em situação de dupla vulnerabilidade:

“Era-se criminalizado a mãe que fugia com o filho para se proteger, enquadrando-a como ‘sequestradora internacional’, enquanto se entregava a criança às mãos de um agressor.”

Casos concretos e proteção real

A AGU já aplicou esse entendimento em casos recentes, como o de uma mãe brasileira acusada por um pai estrangeiro de trazer o filho ao Brasil sem autorização. Ao invés de exigir a devolução automática, a AGU se aliou à defesa da mãe, com base no risco de violência doméstica.

Impacto jurídico e social

A decisão do STF:

  • Reforça o princípio do melhor interesse da criança;
  • Reconhece o impacto psicológico da violência indireta;
  • Alinha o Brasil a decisões de tribunais internacionais que já consideram o ambiente familiar como fator de risco;
  • Protege mulheres que fogem de situações abusivas sem criminalizá-las.

“Não é possível exigir de uma mãe vítima de violência que ela deixe o filho sob a guarda do agressor”, afirmou Luciene.

Um passo contra a impunidade e pela proteção integral

A decisão do STF marca uma virada jurisprudencial no tratamento de casos de violência doméstica em contextos transnacionais. Ao entender que a segurança da mãe é inseparável da segurança da criança, o Supremo reforça o compromisso com os direitos humanos, a dignidade e a proteção de quem mais precisa.

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