Exército recorre e alega “segurança institucional” para não liberar dados após 50 anos

Exército recorre e alega “segurança institucional” para não liberar dados após 50 anos

Cinco décadas após o assassinato do ex-deputado federal Rubens Paiva, o Exército Brasileiro entrou com recurso na última sexta-feira (22/08) contra uma decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) que determinou a liberação das fichas funcionais de militares acusados de envolvimento no crime.

A medida da CGU, considerada histórica, atendeu a um pedido da agência de dados Fiquem Sabendo e estabeleceu um prazo de 30 dias para que o Exército entregasse os documentos. No entanto, a Força alega que a divulgação poderia comprometer a “segurança institucional” e a privacidade dos acusados, mesmo que a maioria já esteja falecida.

CGU contesta argumento e defende o interesse público

A CGU reforça que se trata de crimes de lesa-humanidade cometidos durante a ditadura militar (1964–1985), cujos registros não podem ser protegidos por sigilo eterno.

“Informações sobre violações de direitos humanos são de interesse público inegável e não se submetem a segredo oficial, ainda mais após mais de 50 anos”, afirmou a Controladoria.

A decisão reforça o princípio de que o direito à verdade e à memória prevalece sobre a alegação de proteção institucional, especialmente em casos de desaparecimento forçado e execução extrajudicial.

Reabertura da Comissão dos Mortos e Desaparecidos completa um ano

O recurso ocorre em um momento simbólico: em agosto, completou-se um ano da reabertura da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), órgão responsável por investigar crimes da ditadura. A reativação aumentou a pressão sobre o ministro da Defesa, José Múcio, para que libere arquivos militares ainda sob sigilo.

Apesar disso, as Forças Armadas seguem com postura de resistência, mantendo sob segredo documentos que poderiam esclarecer o destino de centenas de vítimas do regime.

Documentos parciais já revelam encobrimento

Investigações anteriores, com base em documentos parciais obtidos judicialmente, mostraram que:

  • Cinco militares diretamente ligados ao sequestro e morte de Rubens Paiva foram promovidos;
  • Três receberam elogios formais;
  • Todos foram transferidos para a reserva sem punição, mesmo diante de evidências robustas.

Essas ações indicam um sistema de proteção institucional que premiou agentes envolvidos em crimes contra opositores do regime.

O caso Rubens Paiva: símbolo da luta por justiça

Rubens Paiva, deputado constitucionalista e opositor da ditadura, foi arrancado de casa por agentes do DOI-CODI em 20 de janeiro de 1971, no Rio de Janeiro. Nunca mais foi visto. Seu corpo nunca foi encontrado.

Sua história foi imortalizada no livro “Ainda Estou Aqui”, escrito por seu filho, Marcelo Rubens Paiva, e adaptado para o cinema. O filme, “I’m Still Here”, tornou-se o primeiro longa brasileiro a vencer o Oscar de Melhor Filme Internacional, em 2025, colocando o caso sob os holofotes globais.

Um passo para trás na transição democrática

A decisão do Exército de recorrer contra a divulgação de documentos já atrasados por décadas é vista por organizações de direitos humanos como um retrocesso na construção da justiça de transição no Brasil.

“Não se pode falar em democracia plena enquanto os crimes do passado seguem impunes e ocultos. O silêncio das Forças Armadas é um obstáculo à reconciliação nacional”, afirma um representante da Anistia Internacional.

A luta por memória, verdade e justiça continua

Enquanto o recurso tramita, familiares de vítimas da ditadura, movimentos sociais e entidades de direitos humanos seguem cobrando transparência total e o fim do sigilo sobre crimes do Estado.

O caso Rubens Paiva não é apenas um nome na história. É um símbolo da resistência, da dor das famílias e da urgência de que o Brasil, de fato, olhe para seu passado com coragem.

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