Fazendeira é condenada pela morte de trabalhador picado por cobra

As  vésperas de completar dois meses de trabalho, o vaqueiro aproveitou a manhã do último sábado daquele mês de agosto para consertar a cerca da fazenda localizada na região de Denise, em Mato Grosso. O serviço estava apenas começando quando o trabalhador foi surpreendido por uma jararaca. A serpente tropical que costuma ficar camuflada sob folhas secas deu o bote e picou uma das pernas do vaqueiro.

Socorrido por uma colega, ele foi levado para uma unidade de saúde do município e, em seguida, transferido em estado grave para o Hospital Municipal de Cuiabá. Mas a providência não foi suficiente. Dois dias após o acidente, o trabalhador morreu aos 29 anos de insuficiência respiratória e hemorragia causadas pelo veneno da cobra, deixando esposa e três filhos menores de idade.

O caso bateu às portas da Justiça do Trabalho com o pedido da viúva e filhos de pagamento de indenizações pelos danos morais e materiais causados com a perda abrupta do pai e esteio econômico da família. O processo foi julgado no mês passado na 1ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra pelo juiz Mauro Vaz Curvo.  

Apesar de concluir que, ao contrário do argumento da família do trabalhador, a fazenda não era obrigada a armazenar o soro antiofídico, uma vez que o Ministério da Saúde informa que não é possível a compra do antídoto e que a aplicação é restrita a ambiente hospitalar do SUS, o juiz julgou a empregadora como responsável pelo ocorrido.

A empregadora alegou não ter culpa no episódio, por se tratar de um evento imprevisível. Mas o argumento foi rejeitado pelo juiz. “A região onde o falecido trabalhava era perigosa, podendo ter ataques de cobra e de outros animais silvestres a qualquer momento, estando exposto, portanto, a riscos acima da média da coletividade em geral, ou seja, era plenamente previsível a ocorrência do acidente”, afirmou.

Ele lembrou ainda que a função de vaqueiro, por si só, expõe a situações adversas, cabendo à empresa suportar os riscos de sua atividade, conforme prevê o princípio da alteridade, entendimento já pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), e segundo o qual cabe ao empregador arcar com os ônus, não podendo transferir ao trabalhador os custos e riscos do negócio.

Medidas de segurança

Além disso, ficou comprovado que a empregadora contribuiu para o acidente ao não fornecer perneira contra picadas de animais peçonhentos. A entrega desse Equipamento de Proteção Individual (EPI) está expressamente prevista na Norma Regulamentadora 31, que trata de segurança e saúde no trabalho na agricultura e pecuária.

Conforme destacou o juiz, as provas demonstraram que a empregadora negligenciou as normas de segurança e medicina do trabalho, já que a perneira, se tivesse sido fornecida, poderia ter evitado ou diminuído as consequências do acidente. “Ainda que a atividade desempenhada pelo trabalhador no momento do acidente era perigosa, a ré contribuiu para a sua ocorrência”, explicou. A conclusão vai ao encontro do entendimento dos tribunais trabalhistas de que é culpa do empregador quando esse não adota as medidas capazes de prevenir o acidente.

Como consequência, o magistrado condenou a fazenda a pagar indenização à família do trabalhador falecido. Quanto ao dano moral, fixou o montante, salientando a dificuldade de quantificar o valor nesses casos. “É incalculável a dor e o sofrimento de uma criança e em razão do falecimento de seu pai. O mesmo ocorre em relação a esposa quando da morte do seu esposo. Trata-se de abalo inestimável, passível até mesmo de gerar consequências por toda a sua existência”, ponderou.

Entretanto, levando em conta as circunstâncias da perda, incluindo a idade do trabalhador e de seus dependentes, bem como as condições econômicas dos envolvidos e o caráter pedagógico dessas decisões, determinou à empregadora pagar o montante de 300 mil reais, a ser dividido entre a viúva e os três filhos. A quantia destinada aos menores deverá ser depositada em caderneta de poupança e liberada após completarem 18 anos.

A empregadora foi condenada ainda a pagar pensão mensal de 2/3 da remuneração do vaqueiro. A sentença determina que a pensão seja paga à viúva até 2067, ano em que o trabalhador completaria 76 anos, conforme tábua de mortalidade do IBGE. Já os filhos terão direito ao pensionamento até completarem 25 anos, idade em que normalmente a pessoa já concluiu formação escolar ou universitária e em que se presume possa prover suas necessidades.

Para garantir o pagamento da pensão durante esse período, a fazendeira está obrigada a fazer a constituição de capital por meio de poupança, títulos da dívida pública ou, ainda, a indicação de imóveis.

Por fim, o juiz determinou o envio de comunicado à Procuradoria Federal do INSS, Ministério Público do Trabalho e à Superintendência Regional do Trabalho para providências cabíveis no caso de acidentes do trabalho com morte do trabalhador.